O maior escultor animalista do Brasil retratou em quase 30 obras o felino que habita as florestas, o imaginário e a mitologia da América do Sul.
A onça reina no imaginário do Brasil e também de toda América Latina. Este animal foi protagonista de algumas das obras mais lembradas de João Turin (1878 – 1949), considerado o maior escultor animalista do Brasil. Em quase 50 anos de carreira, imortalizou animais selvagens ou domésticos, mas a onça foi sua favorita, sendo retratadas em diversas situações (em repouso, em combate, brincando com um filhote, rugindo, entre outras), em 27 esculturas e baixos-relevos, sendo hoje um símbolo de sua carreira artística.
O maior felino das américas está presente no imaginário popular através de diversos símbolos, expressões (como “hora da onça beber água” e “amigo da onça”), músicas (de artistas que vão de Tom Jobim e Milton Nascimento até Zeca Baleiro e Barbatuques) e também em mitologias. Entre os indígenas Kaiapós brasileiros, a onça é representada como entidade caçadora no mito da criação do fogo, transcrito pelo antropólogo Claude Lévi-Strauss na série “Mitológicas” (1964). Está presente também na mitologia dos tupinambás, reconstituída no livro “Meu destino é ser onça” (2023), do escritor Alberto Mussa, que foi inspiração para o samba-enredo da escola Grande Rio, no Carnaval de 2024, no Rio de Janeiro.
“É possível observar que na cultura popular a onça muitas vezes traz uma simbologia que representa a força. Isso se reflete também em várias obras de João Turin. Um bom exemplo é a premiada escultura ‘onça esmagando a cobra’, em que este poderoso animal representa a força do povo, pisando na mediocridade”, comenta Samuel Ferrari Lago, gestor do legado artístico de João Turin.
Outro bom exemplo da simbologia de força é a obra “Marumbi”, um dos trabalhos mais famosos do escultor, que representa duas onças lutando, de forma bastante realista (a silhueta da obra forma o contorno do Pico Marumbi, que Turin avistava de sua casa durante a infância, quando morava em Paranaguá, no litoral paranaense).
Observação de onças no zoológico
O biógrafo de João Turin, José Roberto Teixeira Leite, ressalta no livro “João Turin: Vida, Obra Arte” a maestria com que o artista retratava a anatomia animal. Sua grande inspiração eram as onças do Passeio Público, primeiro zoológico de Curitiba. Como dormiam a maior parte do dia, o artista as visitava à noite, quando estavam mais alertas. Assim poderia captar seus movimentos em rápidos esboços.
Muitas vezes, Turin oferecia carne aos animais para que ficassem quietos e ele pudesse desenhá-los com tranquilidade. Mais tarde, em seu ateliê, passava os croquis para realizar suas obras em argila até lhes imprimir a silhueta, a posição e o volume desejados.
Rio de Janeiro e Curitiba: esculturas de onças premiadas e em espaços públicos
Duas esculturas de onças de João Turin lhe renderam premiações no Salão Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro: medalha de prata em 1944 por “Onça esmagando a cobra” e medalha de ouro em 1947 por “Luar do Sertão”, que representa o animal rugindo de forma imponente, como se alertasse uma floresta inteira sobre sua presença.
Ambas as esculturas estão em espaços públicos da capital fluminense e se tornaram parte da paisagem da Zona Sul, para quem visita a Praça General Osório e o Zoológico da Quinta da Boa Vista, onde estão localizadas. Muitos habitantes do Rio de Janeiro, que passam por estes locais, podem não saber quem é o autor destas obras, mas elas fazem parte do imaginário da população da cidade, há décadas.
A cidade de Curitiba, onde João Turin passou a maior parte de sua vida, tem uma vasta opção de locais públicos em que suas onças (e dezenas de outras obras com diversas temáticas) podem ser apreciadas, entre elas o Memorial Paranista, localizado no Parque São Lourenço, que conta com peças de bronze em pequeno e médio porte em uma área interna, e também obras ampliadas em grandes proporções na área externa, onde está o maior jardim de esculturas público do Brasil.
O que é ser animalista
Para ser um escultor animalista, não basta esculpir animais (o que foi feito aos milhares em todas as épocas e civilizações), mas sim “representar o animal como um tema em si mesmo e não mais como símbolo, atributo, alegoria ou mero enfeite, ocupando lugar secundário nas bases ou pedestais dos monumentos”, explica o pesquisador e crítico de arte José Roberto Teixeira Leite, que realizou a mais completa pesquisa sobre o artista, publicada na biografia “João Turin, Vida, Obra, Arte”. Em seus estudos artísticos, Turin conheceu as obras do francês Antoine-Louis Barye e de outros animalistas, que serviram para confirmar ou indicar um caminho a seguir, imprimindo sua própria personalidade artística.
Informações: Rodrigo Duarte - Lide Multimídia
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